As férias escolares são vistas, por muitos adultos, como um desafio logístico: “Como manter as crianças ocupadas durante tanto tempo?”. No entanto, do ponto de vista psicológico e emocional, as férias são também uma oportunidade valiosa para que as crianças façam o que fazem melhor: brincar.
Este artigo explica, de forma simples e com base no contexto da psicologia em Portugal, porque o brincar em tempo de férias é vital para o desenvolvimento saudável das crianças, permitindo que explorem e desenvolvam outras competências. E mais importante: como podemos, enquanto adultos, promover espaços e tempos para essa brincadeira acontecer de forma livre, segura e significativa.
- Brincar é uma necessidade, não um luxo
A Convenção sobre os Direitos da Criança (ratificada por Portugal) reconhece o direito da criança ao descanso, ao lazer e ao brincar. Este não é um detalhe legal: é o reconhecimento internacional de que o brincar tem valor em si mesmo.
A ciência psicológica confirma: brincar é essencial para o desenvolvimento emocional, cognitivo, motor e social das crianças. Não se trata de “perder tempo” ou de “encher os dias” – trata-se de um processo fundamental para que cresçam saudáveis, equilibradas e felizes.
- Porquê dar mais espaço ao brincar durante as férias?
Durante o ano letivo, os horários são apertados e as exigências escolares intensas. As crianças vivem sob um ritmo muito semelhante ao dos adultos – cheio de tarefas, responsabilidades e pouco espaço para a espontaneidade.
As férias oferecem uma pausa saudável para o cérebro e para o corpo. É neste tempo livre que as crianças:
- Reduzem os níveis de stress e ansiedade
- Recuperam da fadiga física e emocional acumulada
- Estimulam a criatividade e a imaginação
- Desenvolvem competências sociais em contextos informais
- Constroem autoestima e autonomia
- Tipos de brincadeira e os seus benefícios
Existem vários tipos de brincadeira, todos com papéis importantes no desenvolvimento:
🎭 Brincadeira simbólica
Ex.: Faz-de-conta, representar papéis, criar histórias
💡 Benefícios: Expressão emocional, empatia, resolução de conflitos internos
🧩 Brincadeira construtiva
Ex.: Construir com blocos, desenhar, modelar
💡 Benefícios: Coordenação motora fina, planeamento, resolução de problemas
⚽ Brincadeira motora
Ex.: Correr, saltar, jogos de bola, andar de bicicleta
💡 Benefícios: Desenvolvimento físico, regulação emocional, noção de espaço
👨👩👧 Brincadeira social
Ex.: Jogos em grupo, jogos de tabuleiro, desafios com amigos
💡 Benefícios: Cooperação, negociação, desenvolvimento da linguagem e regras sociais
- O papel dos adultos: facilitar, não controlar
Muitos pais sentem a pressão de “organizar” constantemente a agenda das férias. Contudo, as crianças precisam de regras e limites adequados aos parâmetros desenvolvimentais, e não de uma agenda de atividades estruturadas a toda a hora. Precisam, sim, de tempo livre para explorar novos contextos, segurança e disponibilidade emocional por parte dos adultos.
Algumas dicas práticas:
- Cria um ambiente seguro onde a criança possa brincar livremente
- Reduz o tempo de ecrãs para estimular o jogo físico e criativo
- Participa, sempre que possível, nas brincadeiras (mas sem dominar)
- Valoriza o tempo de brincadeira como momento de crescimento e não como “tempo perdido”
- Brincar também ajuda na regulação emocional
Durante as férias, as crianças podem aproveitar o brincar para expressar emoções que não conseguem verbalizar. Através do jogo, representam conflitos, medos, desejos e vivências que, de outra forma, poderiam passar despercebidas.
Este é um dos motivos pelos quais, em contexto clínico, a terapia com crianças se faz muitas vezes através do brincar e do jogo simbólico. O brincar é o “Idioma natural” da infância.
- E as crianças com dificuldades emocionais ou comportamentais?
Para crianças com perturbações do neurodesenvolvimento, ansiedade, dificuldades de socialização ou outros desafios, o tempo de férias pode ser tanto uma oportunidade como um risco.
Nesses casos, a intervenção de um/a psicólogo/a pode ser essencial para:
- Ajudar a família a estruturar rotinas equilibradas
- Promover brincadeiras terapêuticas e adaptadas
- Ajudar na gestão de comportamentos mais difíceis durante as férias
- Estimular a integração social através do jogo
Conclusão
Brincar é crescer. Brincar é regular, ressignificar experiências. Brincar é descobrir-se a si próprio, ao outro e ao mundo.
As férias não são apenas um intervalo do ano escolar – são uma oportunidade preciosa para nutrir o desenvolvimento emocional, psicológico e relacional das crianças.
Enquanto sociedade, é importante que continuemos a defender o tempo de brincar como uma prioridade. E enquanto pais, educadores ou profissionais da psicologia, a nossa missão é garantir que cada criança tem o seu espaço para o fazer, com alegria, segurança e liberdade.