Depressão Infanto Juvenil
Não sendo objetivo principal do presente trabalho, uma descrição exaustiva das características das perturbações depressivas, de acordo com os critérios da DSM-V, é inevitável a referência a algumas particularidades para enquadramento teórico desta temática. O DSM-V, engloba dentro das perturbações depressivas um vasto leque de perturbações, todas elas com uma característica comum, a presença de tristeza, vazio, humor irritável, simultaneamente acompanhadas por alterações somáticas e da cognição que afetam a capacidade funcional do indivíduo. São distinguidas por aspetos relacionados com a duração, timing ou etiologia prevista. Assim, estão integradas patologias como: perturbações de desregulação do humor, perturbação depressiva major (episódio depressivo major), perturbação depressiva persistente (distimia), perturbação dismórfica pré-menstrual, perturbação depressiva induzida por substâncias/medicamentos, perturbação depressiva devido a outra condição médica, perturbação depressiva com outra especificação e, perturbação depressiva não especificada.
Iremos abordar em mais pormenor a Perturbação Depressiva Major (PDM), uma vez que, segundo o DSM-V, representa a condição clássica neste grupo. A PDM é caracterizada por “episódios distintos com pelo menos 2 semanas de duração, que envolvam alterações bem definidas no afeto, cognição, e funções neurovegetativas, e com remissão entre os episódios” (DSM-V, 2014).
Dados recentes revelam que cerca de 3% das crianças apresentam sintomas depressivos ligeiros, 25% sintomas depressivos moderados e, 5% sintomas graves.
A literatura tem referido como fatores de risco para o desenvolvimento de um quadro depressivos os seguintes: história anterior de depressão materna, história anterior de depressão familiar, perda precoce de uma relação familiar significativa, hereditariedade, problemas de comportamento, praticas parentais educativas, exposição prolongada ao stress. Na mesma linha, a investigação aponta como fatores de proteção das perturbações depressivas, a presença e supervisão parental, relação positiva com a escola, a existência de um projeto de vida, entre outros.
As características nucleares da depressão assumem um caracter transversal da infância à idade adulta. Contudo, a maturidade linguística, cognitiva, emocional, assume-se como determinante na forma como as crianças e os adolescentes expressam e comunicam os seus estados emocionais, os seus sintomas. Assim, apesar das características nucleares da depressão serem transversais, as manifestações diferem. Por exemplo, na fase pré-escolar o sintoma mais prevalente é a anedonia; já na idade escolar a agressividade. Neste sentido, a literatura reforça que a dificuldade em estabelecer um diagnóstico na infância quando os estados de ânimo têm de ser avaliados e respondem monocordicamente “sim”/ ”não” ou reagem agressivamente, como forma de manifestar a tristeza. Neste sentido, um dos aspetos mais desafiantes que o psicoterapeuta se depara é a distinção do que é atribuível à fase de desenvolvimento e à sintomatologia clínica. Assim, para além de compreendermos como o desenvolvimento interfere na manifestação dos sintomas, é importante distinguir o que é “tristeza” de “depressão”. De fato, todas as crianças, jovens ficam tristes; outras, irritáveis ou com pouca energia, sem que isso contemple um sinal de perturbação depressiva. Trata-se apenas de uma mera emoção integrante da vivência da criança ou jovem. Neste sentido, a tendência geral é definir as emoções como positivas e negativas. Contudo, o importante a reter é que todas elas cumprem uma função. Assim, o aparecimento da tristeza num determinado contexto desenvolvimental é uma emoção desagradável associada à mudança, sendo o desconforto da sua vivência e o desejo de evitamento que mantem o ser humano focado na busca de soluções face ao que sente como perda e insucesso. Podemos assim dizer que este mecanismo é responsável por nos manter concentrados em nós próprios até encontrarmos uma forma de alterar o que é possível de alterar e de aceitar o que, apesar de doloroso, não é possível de alterar (como por exemplo a perda de um ente querido).
Por outro lado, falamos de perturbações depressivas quando os sentimentos de tristeza, humor irritável, se tornam extremamente presentes por um período de tempo superior ao expetável e, se fazem acompanhar de diminuição do sono, apetite, isolamento social (mais preponderante no início da adolescência). Podemos assim dizer que a tristeza para a ser patológica quando perde a função, quando a diminuição de energia, a diminuição de disponibilidade para se envolver com o meio e o aumento do foco em aspetos negativos da vida passam a ser dominantes.
Ao abordar as Perturbações Depressivas é imprescindível falar da concetualização teórica mais preponderante, o Modelo Cognitivo-Comportamental de Beck, as cognições, comportamentos e bioquímica são importantes componentes da depressão. A investigação tem mostrado assim que, uma mudança de cognições é acompanhada de alterações de humor e de comportamento, assim como alterações bioquímicas. De acordo com o modelo, o modo negativo como as pessoas deprimidas se vêm a si próprias, constitui o processo básico da depressão. De acordo com este modelo as cognições estão organizadas em esquemas, isto é, estruturas cognitivas que leem e codificam os estímulos a que o indivíduo é sujeito. É assim na base desta matriz de esquemas que somos capazes de categorizar e interpretar a realidade, e dar significado à experiência. Os esquemas podem ser adaptativos ou desadaptativos em relação à realidade atual do indivíduo. Assim sendo, os erros cognitivos presentes nos pensamentos automáticos são o resultado da ativação de determinados esquemas cognitivos disfuncionais que, quando ativados resultam em manifestações afetivas e emocionais associadas à depressão. Portanto, as cognições das pessoas deprimidas seguem alguns vieses extremos no grau de imprecisão relativamente à realidade, havendo um erro sistemático contra si próprios. Este viés negativo constante é o mecanismo central na criação e manutenção da depressão, sendo designado como a Tríade Depressiva. A tríade cognitiva consiste no seguinte, quando a pessoa está deprimida, vê-se a si própria como “defeituosa”, “sem valor”, “inferior” aos outros, “falhada” e, indigna de ser amada. Vê o mudo e os que o rodeia como demasiado exigentes, com expetativas impossíveis de superar e, vê o futuro como a manutenção ou, agravamento desta perspetiva, onde as exigências vão continuar a ser impossíveis de atingir mesmo que se esforce por mudar.
De entre as distorções cognitivas típicas da depressão, salientam-se a abstração seletiva, pensamento dicotómico, personalização e inferência arbitrária. De entre os esquemas disfuncionais da depressão salienta, os a realização, aceitação, controlo e desamparo como os mais prevalentes.
São várias as abordagens teóricas acerca da depressão umas mais preponderantes do que outras. Não sendo objetivo uma abordagem teórica exaustiva, salientamos brevemente as teorias contemporâneas evolucionistas e cognitivas e, a teoria do desamparo aprendido de Seligman.
As teorias contemporâneas evolucionistas e cognitivas consideram a continuidade entre os mecanismos de funcionamento normais e disfuncionais, mas também uma função adaptativa de sobrevivência da depressão que poderá estar assente na comunicação de apoio e ajuda, demonstrar o lugar do indivíduo na hierarquia do grupo, promover um desinvestimento e distanciamento emocional relativamente a objetos inalcançáveis.
Por outro lado, a Teoria do Desamparo Aprendido de Seligman, reforça na depressão os comportamentos de evitamento a situações e pensamentos suscetíveis de promover desesperança e ansiedade.
Concluindo, quando uma criança, jovem chega à terapia com uma experiência perturbadora e generalizada, um dos primeiros objetivos é conseguir chegar a uma lista de problemáticas concretas e decidir de forma cooperativa quais os primeiros alvos de intervenção. Só através da identificação destas problemáticas é possível o paciente ganhar uma perspetiva de controlo, contrariando assim a sensação de impotência que está a sentir.